Reapresentação
.......Ignoro a gramática: o mundo explodiu amanhã. Minha vida se expandiu para além da concordância. O vocabulário é frágil como a fé. E o mundo, relativo como o tempo.
.......Há sempre um espaço crescente entre minha existência e minha vida. A primeira segue no tempo habitual. A segunda, numa dinâmica futurista. E nada entendo de futuro, porque estive fora do presente desde que nasci. Algumas vezes procurei-me no presente, mas ele me pareceu muito antigo. Tentei amarrar-me a ele, mas logo sublimei como naftalina. Levo uma vida dispersa, feito moléculas de vapor. Sou um vapor que não se nota: devo não ter cheiro de nada, cor alguma. Tenho o volume do que me contém. Livre, não encontro limites, mas gosto de às vezes estar guardado, ter as moléculas comprimidas, ser uma unidade.
.......Escrevo porque procuro companhia para minhas idéias. Ora a vida me parece formada por diversos caminhos diferentes que convergem sempre ao mesmo destino, ora por uma única estrada verdadeira, repleta de desvios sem saída – ou sem chegada. A segunda concepção me é mais freqüente.
.......Arquivo esses desvios no meu mural, para que um dia eu aprenda a andar pela estrada verdadeira. Ou para que eu olhe para eles e sinta aquela mistura de lembranças prazerosas e saudade, que chamamos nostalgia.
.......Eu estava lá, como sempre: idealizado no interior de alguém mais sólido. Quando me imaginei dilatado, achei-me preso num recipiente prestes a trincar. E nada dura “prestes” para quem vive o amanhã.
.......O mundo explodiu amanhã. O meu mundo. Ainda vivo numa assustadora expansão...